13 de julho de 2011

Sobre jabuticabas e ruas de terra


Por Warlley Ferreira Sahb[i]
                       
O Brasil é mesmo um país de singularidades. Não é só pelas jabuticabas, que provavelmente apenas vicejem em terras brasileiras e que merecem até uma espécie de Teoria da Jabuticaba[ii].
                       
Também não é só pelo Plano Collor, algo só possível no Brasil – afinal de contas em que outro lugar do mundo moderno poderia se pensar em confisco de dinheiro em conta corrente?
                       
Num documentário sobre o Plano Collor chamado “Laboratório Brasil”, produzido pela emissora de TV da Câmara dos Deputados, há um depoimento que resume essa história: dizem que quando Fidel Castro soube do ocorrido (sobre o “bendito” plano econômico) disse o seguinte: “Eu, em Cuba, nunca fiz isso”.
                       
Mas como disse antes, não são esses os únicos fatores a transformarem nosso país na república do inacreditável, das coisas “quase” singulares. Vamos a alguns fatos.
                       
Os Municípios, casa e representação estatal mais próxima do cidadão, a quem este recorre primeiramente, arrecadam impostos e os transferem em grande quantidade para Estados e para União, ficando quase a mendigarem dinheiro depois.
                       
Aqui temos filas de casais à espera de uma oportunidade de adoção, ao lado de orfanatos e casas de menores transbordando de crianças vítimas de maus tratos, também à espera de adoção.
                       
Aqui também o Estado empresta dinheiro às empresas privadas (bancos e financeiras) com juros menores, bem menores, do que os bancos (inclusive os bancos públicos) emprestam à população. Um banco ou empresa privada empresta dinheiro a taxas de quase 12% aos particulares. Esse mesmo dinheiro que “pegou” com o Estado a taxas de 6%, em média.
                       
Construímos presídios e não escolas. Lotamos de homens e mulheres os presídios ao invés de fábricas, escolas ou praças de esportes.
                       
Nossos pesquisadores se formam em escolas públicas – graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado - e vão trabalhar, pensar e resolver problemas fora do país, ficando, nós, sem retorno do investimento.
                       
A classe dominante estuda em universidades públicas enquanto os menos favorecidos pagam universidade privadas. Em paralelo, o governo financia bolsas de estudos em escolas de qualidade duvidosa e mesmo assim os mais ricos costumam “tomar” as bolsas dos mais pobres.
                       
Há cidades que priorizam construção de velórios a investimentos em saneamento básico e saúde, talvez porque os velórios serão, muito provavelmente mesmo, o destino dos doentes daquelas cidades.
                       
Aqui no sul de Minas produzimos, quem sabe, o melhor café do mundo para podermos consumir, talvez o pior, com cascas e outros grãos a completarem o peso dos pacotes.
                       
Confundimos recorrentemente crescimento com desenvolvimento. Crescemos sem distribuir riqueza.
                       
Na política, os opositores de um determinado governo de hoje viram os aliados desse mesmo governo amanhã. Não há ideologias ou correntes de pensamentos respeitadas. Tudo depende da oferta.
                       
Vendemos matéria-prima para os chineses para depois importarmos produtos acabados deles a um preço menor, bem menor, mandando pelo ralo a concorrência com a indústria nacional e assim prejudicando nossas empresas.
                       
A classe média mantém a classe rica (dominante). Pagamos impostos justamente para cobrir o rombo deixado pelos sonegadores (dominantes).
                       
Inauguramos obras inacabadas, só para adoçar a boca da população (pelo menos dos menos informados). Bairros e quase cidades inteiras sem asfalto, sem saneamento básico, sem acesso seguro, sem segurança e sem outras coisas são inauguradas com festas e pompas, e assim são liberadas para habitação, acabando por se configurarem como benesses das administrações.
                       
Quase sem exceções temos políticas de governo e não políticas de estado.
                       
A falta de informação parece ser o escudo dos governos. Tudo indica que o lema do administrador público passou a ser: “Quem não sabe de nada não tem o que perguntar e muito menos do que discordar”.
                       
Escândalos novos são criados para superar e fazer esquecer os antigos. Desaparecem ou são esquecidos com a mesma rapidez com que aparecem ou são requentados. Nossos governos são especialistas em cortina de fumaça.
                       
Ao invés de melhorar a qualidade da educação básica preferimos acreditar na seguinte solução: deixar que as crianças fiquem mais um ano na escola (ensino fundamental de 9 anos). Acreditamos que as mantendo nas escolas ruins por mais um ano resolveremos a o problema, que na prática trata-se do não efetivo aprendizado das crianças.

Os professores, formadores de todas as outras profissões, são os que recebem os menores vencimentos.
                       
Políticos são eleitos sem projetos, planos e propostas de governo, talvez pensando que se eleitos forem não poderão ser cobrados, justamente porque não se comprometeram apresentando metas que deveriam atingir.
                       
Nós, cidadãos, ainda votamos nos políticos que roubam mas fazem. Preferimos os de casa corruptos ou sem propostas aos estranhos com planos, objetivos e metas concretas e demonstráveis.
                       
Trabalhamos mais de um terço do ano (aproximadamente 147 dias) somente para pagar impostos.
                       
Enfim, poderíamos continuar listando uma série de contradições que ajudariam ilustrar a situação. Contudo, não faremos isso. Aqui o propósito é indicativo.
                       
Estamos nos aproximando de período eleitoral e assim espera-se que continuemos a amadurecer democraticamente, estudando os candidatos, analisando as propostas, participando de discussões, refletindo sobre o nosso último voto, ou seja, trabalhando no sentido de valorizar nossos votos e escolher alguém realmente capaz de trabalhar pela coletividade, visando o bem comum.
                       
Que na próxima eleição tenhamos mais calma e responsabilidade para decidir em quem votar. Isso é possível se começarmos, desde já, ponderar sobre as necessidades das pessoas, sobre as realizações das administrações, sobre a relação entre o que foi prometido (quando foi) e o que foi cumprido (quando foi), sobre o que ficou por fazer, sobre a transparência de nossos governantes e de sua equipe e etc.
                       
Que este texto possa, humildemente, servir de apoio a esse processo.


[i] Licenciado em Matemática e Mestre em Educação. E-mail: wfsahb@gmail.com
[ii] Vejam o texto de Paulo Roberto de Almeida, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/054/54almeida.htm

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