Wlamir Silva*
A
UFSJ formou em 2005 a sua primeira turma de História. E este é um
evento grandioso para toda a comunidade universitária. Afinal, a
história é a única ciência que conhecemos, pois toda ciência é humana e,
por fim, a natureza humana é a História.
Essa
jornada iniciou-se há quatro anos, quando aqueles jovens lograram seu
espaço nessa Universidade pública. Tróia estava conquistada – e aqui,
melhor, não destruída... – e eles confiantes, merecedores de seu butim,
certos de encontrar verdades evidentes, definitivas. E a lição primeira
dessa nossa Odisséia seria de que as vitórias trazem novos e maiores
desafios.
No
retorno à sua Ítaca – pois será a Universidade um regresso a nós mesmos
e aos nossos -, enfrentariam a ira de Posêidon, não sem razão filho de
Cronos, o Deus do tempo. Em furiosas tempestades, emergiram deuses e
semideuses, feiticeiras, ciclopes, canibais e outros prodígios... Como
Odisseu, nossos heróis e heroínas visitaram o país dos mortos, do
passado. Heróis e heroínas... pois, na nossa Odisséia, as penélopes
embarcaram e guerrearam, tecendo seus mantos nos conveses.
Assim,
ao invés de translúcidos axiomas, arrostaram novas e cada vez mais
intricadas questões: O que é História? Para que serve? Combater o
anacronismo ou resignar-se a contemporaneidade? Sua matéria é o
indivíduo ou o coletivo? Narrativa ou análise? Economia, política ou
cultura? Totalidade ou fragmentação? Ciência ou literatura?
As
respostas eram muitas e se abriam a novas indagações. Refletindo a
pluralidade e a extrema complexidade daquele tão peculiar conhecimento.
Logo aprenderiam que as ambigüidades e imprecisões não estavam neles,
mas na complexidade do real. Que a simplicidade era o desejado porto de chegada e não de partida. Quantas sereias e de tão maviosos cantos...
Amarraram-se bem aos mastros, jovens odisseus?
Descobriram
uma Ciência em construção – como definiu um de seus titãs, o
historiador Pierre Villar – e de aspecto tão labiríntico que
angustiante, apaixonante e inconclusa. Ciência em que convizinham o
necessário e o contingente, as determinações e o imprevisível, e, há que
destacar, a dimensão propriamente humana – histórica – da liberdade e
da incerteza.
Entontecidos,
nossos heróis buscaram seu Norte naqueles que, talvez, se assemelhassem
a deuses e semideuses. Deuses dos antigos gregos, sujeitos à ira, à
inveja, à preguiça, à luxúria e outros vícios humanos, bem explicado.
Despercebiam-se, no lado da marinhagem e no calor das pelejas, que seus
mestres estavam ali, ao lado, marinheiros e guerreiros um pouco mais
gastos, também aprendizes do ofício, na mesma nau da História.
Viam,
perplexos, que nós, mestres e aprendizes, todos, nos dirigíamos a
oráculos vários e que a súplica à Atena, deusa da sabedoria e a única
capaz de guiar-nos às nossas ítacas, podem ser de vário feitio, e que
Clio, como todas as musas, pode ser misteriosa. Enfim, que, diante
desses enigmas somos hoje, e cada vez mais, iguais viajantes.
Hoje, divisando as praias de suas ítacas, esses
heróis não duvidam que tornarão, e mais e mais, aos mares revoltos da
História. Conhecem mais as sendas do ofício e, vitória maior, aprendem
diuturnamente a percorrê-las. Levarão, onde quer que seja, a nossa
confiança e a esperança de merecerem melhores homeros.
* Wlamir Silva é professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da
Universidade Federal de São João del-Rei. Mestre e Doutor em História
Social e Política pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi o
primeiro paraninfo do curso.
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